

CORRES
DANÇAR É RESITIR!
As ruas como palcos de saberes e resistência.
Gal Martins
As danças urbanas, também conhecidas como street dance, são expressões afro-diaspóricas que nascem nas ruas, vielas e becos das periferias do mundo. Elas brotam da escuta do corpo, do encontro com o som, com a batida que pulsa no chão, com as urgências que atravessam o cotidiano de quem dança para não enlouquecer. Essas danças não são apenas estilos ou performances estéticas, são experiências de sobrevivência, de coletividade e de invenção. São práticas de mundo que rompem com os códigos eurocentrados sobre arte e corpo, reivindicando outras epistemologias que nos ensinam a viver em comunhão, em resistência, em movimento.
A pesquisa que desenvolvo com a Dança da Indignação, parte do entendimento de que dançar é mais do que performar. É formular pensamento, é produzir conhecimento, é criar brechas no concreto da cidade para respirar. E é justamente nesse respiro que as danças urbanas se tornam essenciais, para os sujeitos que dançam, para as comunidades que se reconhecem nessas práticas e para a construção de uma sociedade antirracista e contra colonial.
As danças urbanas constituem-se como território de formação artística, política e social. Quantos jovens não descobriram sua potência através de um grupo de dança do bairro? Quantos não compreenderam o mundo e a si mesmos por meio de um treino, de uma batalha, de uma roda de conversa depois do ensaio? Esses espaços são escolas informais onde aprendemos mais do que passos: aprendemos ética, aprendemos sobre cuidado, escuta, coletividade. Aprendemos a ser.
Quando um corpo negro, periférico e dissidente dança, ele tensiona as estruturas que o marginalizam. E mais do que isso: ele propõe outras formas de existência. As danças urbanas são pedagogias encarnadas que promovem o senso de comunidade, fortalecem redes de apoio e geram novas formas de pertencimento. Elas ensinam a lidar com o fracasso, com o improviso, com a celebração da diferença. E ao mesmo tempo, constroem autoestima, reconhecimento e sentido de trajetória.
Em uma sociedade que insiste em matar simbólica e fisicamente os nossos corpos, dançar é um gesto de insubmissão. É uma estratégia de vida. É um manifesto coreografado que diz: eu não vou sucumbir. É também uma ferramenta de organização social, pois muitos coletivos e companhias de dança urbana assumem papéis de mediação cultural nos territórios onde atuam, criando festivais, ocupando espaços públicos, formando novos artistas, promovendo o encontro entre gerações.
Por isso, defender a importância das danças urbanas é também defender o direito à cidade, ao lazer, à educação, à cultura, à liberdade. É reconhecer que nesses corpos dançantes existe um acervo vivo de saberes que não cabem nos moldes formais da academia, mas que são fundamentais para reencantar o mundo.
As danças urbanas nos ajudam a reimaginar o futuro. Elas operam por outras lógicas, que não separam arte da vida, que compreendem o corpo como território político e a rua como espaço de criação. São práticas que se alimentam da ancestralidade, da escuta dos tambores que atravessaram o Atlântico e chegaram até aqui reinventando linguagens, corpos e mundos possíveis.
Dançar, nesse contexto, é resistir com alegria. É pulsar afeto onde querem produzir medo. É desenhar com o corpo uma nova gramática para o viver. É insistir, com cada gesto, que a arte é uma arma contra o apagamento. Enquanto dançarmos, estaremos construindo caminhos para a liberdade. E dançaremos por nós, pelos nossos e pelo mundo que queremos fazer girar.